Água que nasce e corre com toda a sua suavidade e violência sobre vilarejos, enchendo o leito dos rios, sendo como toda força da natureza não respeitada, uma arma poderosa explodindo em toda a sua magnitude e trazendo consigo: móveis, casas, animais, destruindo encostas, brotando lágrimas e queimando nossos olhos, já cansados pelo medo, sono e pela dor.
Tenho sede de vida, temo como todos os anos pelas promessas não cumpridas, pelo dinheiro desviado necessário para evitar mais mortes, pelos idosos e os animais, temo pela minha família e pelas crianças em seu inocente sono, com sonhos confusos, onde tudo vira de ponta a cabeça, gritos, desespero e mais dor.
Fecho os olhos quando a chuva chega, a princípio miúda e no decorrer de um tempo indefinível se tornando agressiva, incrivelmente forte, determinada a semear uma loucura compreensível. Todos em perfeita comunhão com o descaso daqueles saqueadores de uma natureza violada, maltratada, esquecida, servindo a gananciosos, malditos perturbadores de uma ordem soberba, estúpidos em seu egoísmo, nos testando até os últimos segundos de muita dor.
Abro com cuidado a janela e mergulho em um janeiro igual a todos os outros. As mesmas promessas não cumpridas, os políticos que só mudam de rosto, (seria muito mais fácil se usassem máscaras, ou se as tirassem), as mesmas usadas pelos integrantes de um reality show, onde seus integrantes com seus corpos sarados, seus estupros mal resolvidos, seus gritos histéricos cheios de uma falsa comoção, suas festas provocantes, seus discursos ensaiados, sua moral hipócrita, invadem a cada ano um janeiro perturbador. Antevejo a tragédia, grito por socorro, cai o pano e novamente o que resta é só a dor.
São vidas apostando todas as suas fichas contra uma natureza inclemente. Não cabem no asfalto, todos os seus pertences estão no abismo, junto a eles a esperança de serem recompensados pelas promessas sendo feitas à luz do sol, pelos mesmos tubarões de curta memória, ladrões e chantagistas, deixando passar o tempo para tudo voltar a uma normalidade aparente, capenga, injusta, onde os esperançosos se deixam levar pela certeza de uma providência que nunca virá...pois infelizmente esta senhora fica de mãos atadas diante de tanta falta de solidariedade dos responsáveis e de tanta bravura dos anônimos, heróis com o rosto marcado, a pele flácida, os pés doídos e o peito sangrando... quanta dor.
Minha curiosidade é descobrir até quando esta dor vai ser observada à longa distância. Não acredito em sirenes de curto alcance e sim em punição severa para os responsáveis pelo descaso, deboche e pela total falta de comprometimento com uma população sendo dizimada a cada noite. O planeta corre perigo e nós os moradores das encostas, das áreas atingidas, das casas soterradas, dos filhos encobertos pela lama, somos uma parte dele, seja ela pequena ou grande não importa, o efeito e o estrago são os mesmos.
Obrigado sinceramente por ouvirem meu desabafo, cujo medo ultrapassa as fronteiras da razão. Logo janeiro chega ao fim e os responsáveis vão ter muito trabalho pela frente, afinal o carnaval continua sendo a maior festa popular, precisa de verba, visibilidade, apoio, muita alegria, samba, desfiles. Nós continuaremos aqui à espera de um olhar, uma atitude digna de alguém que nos devolva a esperança, acima de tudo faça com que nos reencontremos com nossa fé, tanto tempo dividida pelas nossas próprias cicatrizes ainda não curadas. Portanto orai por nós...




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